O gesso e suas lições

Esta semana, Luíza caiu da bicicleta, o peso de seu corpinho foi sobre o braço direito. Houve trauma no osso. Está no anti-inflamatório e gesso por sete dias. O primeiro dia foi de curtição, a turma toda da escola precisava saber do super infortúnio. Ela estava se achando com a tipoia! Quando pôs o braço na escola, foi tomada pelos chamegos curiosos dos amigos. E aquele dia foi de glória! Mas vieram o ballet, a natação, as alimentações, os artesanatos, os banhos, os charmosos acessórios de cabelo dela… E a cabrita, conhecida por sua autossuficiência, ficou entre o “não posso” e o “preciso de ajuda”. Surgiram, então, o que a macaca velha aqui já temia: irritação e abuso. Minha menina estava se sentindo boicotada! E estava decretada mais uma brecha da vida que não poderia ser tratada como drama, e sim como aprendizado.

Proseamos sobre o medo de se machucar que deve continuar sendo menos relevante do que o vento bom que sacode os cabelos ao pedalar, ao deslizar no skate, ao pular corda. É preciso ter atenção, não temor. Proseamos sobre ser tão bom ter pessoas ao nosso lado dispostas a ajudar em momentos difíceis. Estes instantes servem muito pra sabermos distinguir joio e trigo. Aqui escrevendo e lembrando da doçura absorta do semblante dela quando eu disse pra ela agradecer com carinho às bondades que vinha recebendo por conta da tal situação.

DSC05243Mas proseamos também sobre não se acomodar com as ajudas e sobre tentar superar limites em qualquer situação. Passar uma semana sem o fiel escudeiro braço direito poderia e deveria render bons aprendizados! Vamos lá: “Olhe, filha, toda ajuda deve ser tratada com zelo. Aceite-as, mas não deixe que elas interrompam sua superação”. “Deixe sim que, por exemplo, as tias da escola cortem sua carninha, mas não deixe de tentar comer usando sua mãe e seu braço esquerdos. “Mas vai derramar tudo, mãe”. “E daí, vida? Junta as coisas, e tenta de novo. Sai desta mais sábia do que antes, amor. Você vai saber usar duas mãos ao invés de uma. Olha só!”. Outra: penso que lidar com um peso a mais no rodopio do ballet pode ser uma lição e tanto, além de divertido. Faz você ensaiar equilíbrio, conhecer os limites de seu corpo, faz você enxergar beleza nas “falhas”. E, caso role um tombo, você terá aprendido a levantar outra vez. Ela sorriu outra vez.

E partimos pra tornar aquela tipoia dela ainda mais lúdica e parceira no sucesso que esta semana deve ser. De uma loja linda de artesanato que amo levei uns ursinhos em MDF e cola para tecido. “Vamos deixar esta tipoia mais faceira, filha?”. “Não vou conseguir fazer, mãe. Meu braço tá engessado”. “Segure o ursinho com os dedos da mão direita, passe a cola com a mão esquerda”. “Tá”. A cama ficou toda pingada de cola e das lágrimas minhas. E meu coração derramado por vê-la entrando na onda e conseguindo fazer a coisa toda com ânimo e arremesso. Afoita nas artes, feito sempre foi!

DSC05230DSC05225 DSC05231Pra adubar ainda mais estes dias que Deus nos deu, digitei no Google: pessoas que tocam a vida sem braço, sem perna, algo assim. E me deparei com um fuxico grande sobre um cara lindo chamado Nick Vujicic, nascido sem braço e sem perna, e que lida com isso com a ousadia de uma alma moleca, astuta, atrevida e ousada. Assistimos a uns vídeos com palestras dele. Ela se emocionou (mesmo, com lágrimas), e soltou pra mim um “quando eu tirar o gesso, mãe, quero continuar tentando usar minha mão esquerda pra fazer as coisas”. “Só não vai sentir saudades desta coceirinha que o gesso traz, né, Lu?”. “É, mãe, traz logo ali o palitinho pra mim”. Rimos, e a vida seguiu… Tocada pelo aprendizado que há em cada percalço.

DSC05219Segue um dos vídeos que assistimos, Benjamin, Luíza e eu, sobre a vida de Vujicic. Assista, vale a pena sorrir: https://www.youtube.com/watch?v=MHUM8kwhRyE

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Comments

  1. Responder

    Muito amor por vcs! E que mãe desafiadora é essa da Lulu e do Ben :*
    Saudades viu, muitas!

  2. Responder

    helaine, minha querida! o retorno ao traumatologista já é hoje. 🙂 quanta coisa boa este desequilíbrio causou, viu. luíza aprendeu e ensinou bastante diante de tudo isso. chorar pitangas não fez parte da vida dela! 😛 <3 pra todo tropeçar, um levantar cheio de valentia e entusiamo, né? três beijos em vocês!

  3. Responder

    Que coisa mais linda Carol!

    Parabéns pela delicadeza e sabedoria de viver esse momento. Confesso que a emoção tomou conta na hora do: “Mas vai derramar tudo, mãe”. “E daí, vida? Junta as coisas, e tenta de novo. Sai desta mais sábia do que antes, amor.”

    Crianças sortudas e mãe iluminada!

    Beijooo

    😉

  4. Responder

    ah, mari! coisa linda é esta família que você tem e a forma com que seu coração apurado toca as coisas. bem imenso por você. grata por tanto carinho!

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