Sobre as perguntas que não calam e que não devem calar você

– Mãe, como Deus colou minha piroca?

Prender o riso e largar-me em graça é o que mais faço diante das dúvidas de Benjamin.

Frente a essa, inicialmente soltei:

– Já falei a você que ele é mágico, filho.

– Pois ele é um mágico muito doidão e esquecido, mãe.

– Doidão tá. Ele é mesmo o mais doidão dos mágicos. Mas… Esquecido?

– É, mãe, ele esqueceu de colar a piroca da Luíza.

Ai, meu pai! Aí, entendi que mais uma prosa sobre gênero teria que ser travada ali. Porque, lá em casa, a hora de dizer algo vem grudada à hora de perguntar algo. E o que deve ser dito e como deve ser dito sempre estarão fundamentados no quão efervescente, madura e fundamentada repousa cada inquisição dirigida a mim por eles. E o cavaco seguiu…

– Filho, há coisas que são próprias do corpo do menino e outras que são próprias do corpo da menina. Tipo: piroca e pipi.

– Mas por que Deus não fez logo todo mundo de um jeito só?

– Amor, existem características que podem não fazer mesmo quase nenhuma diferença pra crianças nas idades que você (4 anos) e sua irmã (5) têm hoje. Mas que farão alguma diferença quando vocês crescerem.

E Luíza se mete:

– Tipo, mãe?

– Tipo… Deus deu à você, filha, um órgão chamado útero. Tá dentro de você, mais ou menos aí por perto do seu umbigo. Hoje, ter ou não útero não faz muita diferença pra você. Mas se, quando você for grande, você quiser engravidar, seu bebê vai precisar ficar dentro deste órgão até ele ser forte pra viver fora de você. O útero, filha, é uma das coisas que faz você menina. E esta sua piroca, filho, faz você menino.

Bom, com a graça do Grande Mágico ( 😛 ), por hora, ouvi dois confortadores “tá, mãe”.

Agarramento em Guaramiranga

Isso me fez refletir sobre as perguntas outras que estão por vir… Talvez amanhã já.

Talvez mais adiante. E eu não farei de jeito nenhum uma listinha correlacionando cada provável pergunta a uma resposta. Tenho pra mim que isso me deixaria entregue à certa ansiedade desnecessária. Escolhi que minhas respostas nascerão na medida em que as questões deles me chegarem. Minhas réplicas às dúvidas da Lulu e do Ben continuarão fundamentadas na seguinte balança: que retorno meu (suficientemente verdadeiro) eles estão preparados para receber?

A avó Nilde ensina Ben a costurar.
A avó Nilde ensina Ben a costurar.

A família desempenha sim grande influência no modo como a criança vai se comportar e se relacionar com pessoas do mesmo sexo, do sexo oposto e com as questões de gênero dum modo geral. Mas não venha com lástimas caso seus filhos não forem seus espelhos, ainda que seja você ativista da tolerância e da grande aceitação. Os pequenos têm uma “mania” orgânica de tentar dividir as coisas em masculinas e femininas, penso que numa tentativa mesmo de arrumar conceitos, de buscar esclarecimentos, numa busca pela solidificação de juízos.

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Lu e Ben se divertem com peças do papai e da mamãe.

Instigar interesses diversos em meninos e meninas é saudável demais. Torna as crianças mais abrangentes, fecundas e mais entregues à criatividade, até. Meninas podem jogar futebol e amar deslizar em skate. Meninos podem gostar de costura e optar por ballet. Bonecas podem dar ótimas dicas sobre como se transformar num bom pai. E tudo isso deve fazer parte de conversas francas e de exemplificações diárias.

Ben e Lu brincando de casinha.
Ben e Lu brincando de casinha.

Oferecer às crianças a oportunidade de desvendarem que pessoas elas de fato são, fazer com que elas se conheçam e se aceitem e responder com legitimidade às suas perguntas estão entre os legados mais altivos que nós, pais e mães, podemos deixar aos nossos filhos. Cada um é como é. E isso precisa ser descoberto… O quanto antes melhor.

Amor e bênçãos.

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